A expansão do biogás na matriz energética brasileira
O biogás tem tudo para decolar nos próximos anos e atingir a meta que estipulamos para 2030, de 30 milhões de m³/dia de biogás. Se antes ele era considerado o irmão caçula das renováveis, hoje, nossa perspectiva é de que o gás natural renovável possa ter uma expansão tão grande quanto a que ocorreu com a energia solar e a eólica.
Em primeiro lugar, porque o Brasil possui o maior potencial do mundo para a produção de biogás. Quando falamos em potencial, estamos nos referindo a todos os resíduos orgânicos disponíveis, ou seja, os da agroindústria e do saneamento que hoje não possuem aproveitamento energético ou são descartados de forma inadequada na natureza. Todos estes insumos estão distribuídos pelo país, o que favorece a geração de energia descentralizada.
Atualmente, apenas 5% dos municípios brasileiros recebem gás canalizado, por falta de infraestrutura para distribuição. Apesar das dimensões continentais, o Brasil possui uma malha de gasodutos de apenas 9,4 mil km concentrada no litoral. Para ter uma ideia, nossa malha é 3,1 vezes menor do que a da Argentina, e 52 vezes menor que a dos Estados Unidos.
O interior do país carece do energético para abastecer o setor agrícola e o industrial além do consumo residencial, ainda dependente do GLP. Nossas indústrias necessitam de um combustível mais limpo e econômico, a fim de fomentar o desenvolvimento econômico e social. Se o gás natural é tido como o combustível da transição energética, o biogás é o ponto de chegada para uma economia de baixo carbono.
Enquanto faltam gasodutos, sobram insumos. Se todos estes resíduos fossem aproveitados, poderíamos substituir 70% do consumo de diesel ou 34,5% da demanda de energia elétrica do Brasil. No interior do país, com seu alto potencial agropecuário, o biogás é a forma mais eficiente de gerar energia limpa e combustível renovável, garantindo a sustentabilidade completa da produção, ao gerar energia e combustível dentro da própria porteira.
Em termos de logística, por ser um combustível armazenável, o biogás pode ser liquefeito, gerando o BioGNL que é transportado em contêineres para abastecer grandes clientes industriais ou ser comercializado como combustível para veículos. Tal infraestrutura, garante a entrega do combustível de forma rápida e eficiente, enquanto a construção de novos gasodutos demanda altos investimentos e um tempo longo de construção, de quatro a cinco anos.
Ressalta-se, ainda, o potencial elevado do setor sucroenergético, que chega a 57,6 milhões de m³/dia de biogás (padrão ANP). Novas tecnologias de produção, com o aproveitamento de resíduos como vinhaça e torta de filtro, prometem trazer autossuficiência às usinas de etanol. Um exemplo é a usina de biogás da Raízen Geo Energética, inaugurada no ano passado, uma das maiores do mundo, com capacidade instalada de 21 MW. Com moagem de mais de 5 milhões de toneladas de cana por ano, que geram um volume elevado de resíduos para um projeto em escala comercial, a vinhaça será operada na safra, e a torta ao longo do ano inteiro. Esta combinação vai gerar uma produção de 138 mil MWh.
A expectativa é de que as 381 usinas de etanol que existem hoje no Brasil, concentradas principalmente no Sudeste, invistam neste potencial, garantindo sustentabilidade em toda a cadeia produtiva. O RenovaBio, política nacional para os biocombustíveis, será um grande incentivador deste movimento, ao premiar os combustíveis com menor intensidade de carbono por meio dos CBios, que são os créditos de carbono comercializados na bolsa de valores.
No desenvolvimento de uma política energética para o país, é preciso que as externalidades positivas do biogás sejam corretamente precificadas. Entre seus benefícios estão a redução dos gases do efeito estufa e o fato de ser uma fonte armazenável e flexível – serve tanto como fonte de energia elétrica quanto de combustível. Além disso, é uma fonte de energia renovável não intermitente, de geração descentralizada, que pode promover a interiorização do metano. Outra característica importante em termos econômicas consiste no fato de o biometano ter estrutura de custos em reais, o que garante previsibilidade de preços, ao contrário dos combustíveis de origem fóssil atrelados ao preço internacional do petróleo e ao dólar, com alta volatilidade de preços.
Por tudo isso, reafirmamos que o biogás apresenta todas as condicionantes para aumentar cada vez mais a sua participação na matriz energética brasileira. Ainda ocupamos um espaço pequeno, tendo em vista seu enorme potencial, porém, analisando sua curva de crescimento, percebemos uma expansão vertiginosa.
Marcos importantes do setor, como a abertura do mercado de gás, o RenovaBio, o marco legal do saneamento e a modernização do setor elétrico vão estimular o fomento ao biogás, além dos aprimoramentos nas legislações estaduais. Dado que a competência para regulação de gás natural é estadual, cabe a estes governos legislar sobre o tema. Um movimento que vem acontecendo desde 2012 já estabeleceu marcos legais consolidados no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiânia.
Contamos com diversos empreendimentos importantes que reforçam a confiabilidade e eficiência das tecnologias tanto de produção quanto de uso do biogás e do biometano. Além da usina da Raízen, há exemplos no setor de combustíveis, como a Scania, que já conta com uma unidade de produção de caminhões movidos gás natural ou biometano na sua fábrica em São Bernardo do Campo, com mais de 50 veículos já vendidos.
No setor sucroenergético, temos o projeto da Cocal com a Gás Brasiliano, chamado de Cidades Sustentáveis, que vai implementar um gasoduto dedicado beneficiando 230 mil pessoas nas cidades de Narandiba, Pirapozinho e Presidente Prudente, para escoar a produção de biometano a partir da vinhaça, bagaço e palha de cana, com previsão de partida em 2021.
E ainda na geração a partir do saneamento, temos os bem-sucedidos exemplos do Ceará e Rio de Janeiro. No Nordeste, a produção do biogás a partir do aterro sanitário de Caucaia, já fornece 40% do volume de gás distribuído pela Cegás, com a vantagem de ser um gás renovável. No Rio, a empresa Gás Verde conta com usinas nos aterros de Seropédica, São Gonçalo e Nova Iguaçu. Em Seropédica, o maior deles, a capacidade de produção é de 200 mil m³/dia, que corresponde a 1% do mercado fluminense de gás natural. Uma parte da produção é destinada a postos de GNV e outra fornecida para a indústria siderúrgica Ternium.
A partir da universalização do saneamento, a expectativa é que as estações de tratamento de esgoto também realizem o aproveitamento energético do biogás. Já temos alguns cases pelo país, como a Copasa ETE Arrudas (MG), que, desde 2009, produz 29mil m³/dia de biogás, com capacidade de 2,4 MW de geração de energia elétrica, 3,6 MW de água quente e produz quase 50% da demanda elétrica total da ETE.
Por tudo isso, acreditamos que o futuro do biogás já começou e, até 2030, vai ocupar uma fatia significativa na matriz energética brasileira. Quem ganha somos todos nós, com um meio ambiente mais limpo, desenvolvimento econômico e social e geração de empregos.
Alessandro Gardemann é formado em Administração de Empresas pela EAESP- FGV, com atuação no mercado financeiro. Em 2008, fundou a Geo Energética e, desde então, tem se dedicado ao Biogás. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), onde, atualmente, é o presidente.