Energia e raciocínio numérico
Nos momentos de crise, meu amigo Engº Eliezer Baptista (Ex-Ministro e Ex-Presidente da CVRD – Companhia Vale do Rio Doce) costumava dizer que o nosso Brasil é o primeiro país a entrar em decadência sem nunca ter alcançado o apogeu. Nas últimas cinco décadas tivemos sete moedas, onze critérios para correções monetárias e quatro vice-presidentes assumindo a presidência por um longo período.
Lamentavelmente, nos últimos vinte anos registramos uma taxa de crescimento medíocre, de pouco mais de 2%, quando exatamente nos vinte anos anteriores conseguimos crescimento superior a 7%. O consumo “per capita” de energia nos últimos vinte anos permaneceu estável. Assim, não tivemos uma melhora significativa na qualidade de vida do brasileiro.
Qual a razão de estarmos patinando enquanto vários países emergentes estão obtendo sucesso econômico e social de forma invejável?
Tive o privilégio de conviver com dois Presidentes da República, General Ernesto Geisel e General João Figueiredo. De ambos, guardo gratas recordações e aprendi com eles, a raciocinar numericamente ao discutir a política energética. Os dois líderes somente discutiam a política energética enfatizando números.
Para um país continental como o nosso, com três por cento da população mundial, as duas crises de petróleo (de 1973/74 e 1979/80) afetaram profundamente a nossa economia, porque a produção doméstica de petróleo e gás natural atendia somente quinze por cento das nossas necessidades.
Fui convidado pelos dois, em diferentes ocasiões, para assumir o Ministério da Indústria e Comércio mas, poucos dias antes da posse, do primeiro ouvi mais ou menos as seguintes palavras: “Com a crise de petróleo só tenho você para assumir o Ministério das Minas e Energia”; e do segundo ouvi praticamente as mesmas palavras, obrigando-me a assumir a Presidência da Petrobrás.
Hoje, ao lembrar aqueles episódios, estou convencido de que as mudanças foram causadas por inúmeras horas de conversações com base nos números do setor energético do país. Como tinha trabalhado cinco anos com o Presidente Geisel na Petrobras antes de ser seu ministro, sempre com base nos números, consegui que ele autorizasse a abertura da exploração de petróleo para a iniciativa privada nacional e internacional, através dos contratos de risco, do lançamento do plano nacional do álcool, do aumento da geração térmica com base em carvão mineral nacional e nuclear, da construção de novas refinarias, de novos pólos petroquímicos, fertilizantes, etc., que impulsionaram a economia nacional.
O Presidente Figueiredo era muito forte em números e, tanto quanto o Presidente Geisel, sempre me questionava baseado em números. De ambos recebi o mais irrestrito apoio para cumprir as duas missões e, se hoje o Brasil é quase auto-suficiente em petróleo, devemos em grande parte aos dois líderes que através da minha pessoa possibilitaram valorizar os competentes profissionais da Petrobras, da Eletrobrás, da Nuclebrás e outras.
Se a atual crise de petróleo tivesse atingido o Brasil no mesmo nível de dependência externa que tínhamos nas duas crises anteriores, o gasto adicional de divisas para atender o mercado nacional de energia seria da ordem de quarenta bilhões de dólares por ano. A conseqüência seria desastrosa.
Se prevalecesse o mesmo critério de raciocínio numérico para delinear a política energética nacional nos últimos vinte anos, não teríamos apagões como tivemos, não teríamos térmicas a carvão mineral nacional e nucleares em construção abandonadas, não teríamos construído de forma açodada várias térmicas de gás natural, não estaríamos exportando petróleo bruto nacional e importando produtos refinados com gastos injustificáveis de preciosas divisas, etc.
Sem a volta do raciocínio numérico não há como termos uma boa política energética e, sem ela, não é possível voltar a crescer no mesmo ritmo dos demais países emergentes.
Nos últimos anos os nossos líderes não tem tido muito raciocínio numérico e, assim, receio que o meu amigo Eliezer tenha razão no seu irônico diagnóstico sobre o nosso país.
Shigeaki Ueki foi presidente da Petrobras durante o governo de João Figueiredo e foi ministro das minas e energia do governo Geisel.