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 / janeiro 2012

A construção de um novo jogo sustentável

O desafio central do nosso novo século será construir e desenvolver comunidades sustentáveis, nas quais possamos satisfazer nossas necessidades e aspirações sem diminuir as oportunidades de futuras gerações. Esta é uma importante exortação moral. Lembra-nos da nossa responsabilidade de legar aos nossos filhos e netos um mundo com tantas oportunidades quanto herdamos. Uma comunidade sustentável é projetada de maneira que as formas de vida, negócios, estruturas físicas e tecnologias não interfiram com a habilidade inerente da natureza de sustentar em vida.
Entretanto, esta definição não nos diz nada sobre como construir uma comunidade sustentável. O que precisamos é uma definição operacional de sustentabilidade ecológica.

A chave para essa definição operacional é a percepção de que não precisamos inventar comunidades humanas sustentáveis do zero. Precisamos apenas ajustálas aos ecossistemas da natureza que são, em sua essência, comunidades sustentáveis de plantas, animais e microorganismos que evoluíram por bilhões de anos de modo a sempre sustentar a vida. Portanto, uma comunidade humana sustentável tem que ser projetada de maneira que as suas formas de vida, negócios, estruturas físicas e tecnologias não interfiram com a habilidade da natureza em sustentar a vida.

Mudança de percepção

Sem dúvida, a transição para uma economia sustentável oferece tremendas oportunidades para as empresas. Ela exigirá uma infra-estrutura completamente nova - células de combustível, usinas de energia solar e turbinas eólicas, tubovias de hidrogênio e postos de reabastecimento, etc. O desenvolvimento dessa infra-estrutura exigirá a inclusão de vários estágios intermediários para os quais diversos cenários têm sido propostos. Há bastante espaço para a inovação e competição, e as empresas que estão se preparando para a futura economia do hidrogênio provavelmente obterão uma vantagem competitiva decisiva.

Entretanto, a questão crítica não é tecnologia, mas política e de liderança. O grande desafio do século 21 será mudar o sistema de valor que embasa a economia global de modo a torná-lo compatível com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica. Este será o novo "jogo", inteiramente sustentável, da economia mundial.

Conhecimento ecológico e projeto ecológico

O primeiro passo em nosso empreendimento de construir comunidades sustentáveis é adquirir "conhecimento ecológico" ("ecoalfabetização"), isto é, compreender os princípios de organização que os ecossistemas evoluíram para sustentar a teia da vida. Estes são os princípios básicos da ecologia - por exemplo, os restos (dejetos) de uma espécie são o alimento de outra; a matéria circula continuamente através da teia da vida; a energia do sol impulsiona todos os ciclos ecológicos; a diversidade assegura resiliência; a vida, desde o seu início há mais de três bilhões de anos, ocupou todo o planeta por meio da formação de redes cooperativas.

No século 21, o conhecimento ecológico se tornará habilidade essencial para políticos, líderes empresariais e profissionais de todas as esferas. E deverá ser a parte mais importante da educação em todos os níveis.

O segundo passo é passar do conhecimento ecológico para o projeto ecológico ("ecodesign"). Precisamos aplicar o nosso conhecimento ecológico à reestruturação fundamental de nossas tecnologias e instituições sociais, de modo a preencher a lacuna entre o projeto humano e os sistemas sustentáveis da natureza.

O conceito, no seu sentido mais amplo, consiste em moldar os fluxos de energia e de matéria para finalidades humanas. O projeto ecológico é um projeto no qual as nossas finalidades humanas são cuidadosamente entrelaçadas com os mais abrangentes padrões e fluxos do mundo natural. Os princípios do projeto ecológico refletem os princípios de organização que a natureza evoluiu para sustentar a teia da vida. A prática do conceito industrial em tal contexto requer uma mudança fundamental em nossa atitude com a natureza. Requer que passemos da descoberta do que podemos extrair da natureza para a descoberta do que podemos aprender com ela.

Nos últimos anos, houve um aumento significativo, hoje bem documentado, nas práticas e conceitos ecologicamente orientados. Esse fenômeno inclui, por exemplo, o renascimento mundial da agricultura orgânica; a organização de diferentes empresas em comunidades ecológicas, nas quais os resíduos de uma organização servem como recurso para outra; a mudança de uma economia baseada em produtos para uma economia de "serviço-e-fluxo", na qual matérias-primas industriais e componentes circulam continuamente entre fabricantes, clientes e usuários e, finalmente, o desenvolvimento de células eficientes de hidrogênio combustível que prometem inaugurar uma nova era na produção de energia - a "economia do hidrogênio". Uma célula de combustível é um dispositivo eletroquímico que combina hidrogênio com oxigênio para produzir água, eletricidade e nada mais! Portanto, o hidrogênio é o combustível limpo e ímpar.

Fritjof Capra é doutor em física, teórico de sistemas complexos e autor de "O Tao da Física", "A Teia da Vida" e "Conexões Ocultas", entre outros.

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