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 / dezembro 2019

A Abertura do Mercado de Gás Natural no Brasil – O Caminho do Crescimento

Por Luiz Costamilan e Felipe Tavares

O Brasil vem repensando seus modelos de suprimento energético no contexto de maior diversidade de fontes e agentes, desafios climáticos e maior dinamismo tecnológico e de mercados. O Governo Federal estabeleceu que a abertura do setor de gás natural é central na redefinição da trajetória brasileira de desenvolvimento.

Após as intensas discussões no âmbito do programa “Gás para Crescer” (lançado em 2016), o processo de abertura do setor de gás natural no Brasil é retomado pelo lançamento, este ano, do “Novo Mercado de Gás”. Essa estratégia materializou-se a partir do DL 9616/18 que capturou os aspectos principais do Gás Para Crescer, das Resoluções nº 4 e 16 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que estabeleceram os princípios e diretrizes para a criação de um ambiente mais competitivo e diversificado ao longo dos diversos segmentos da cadeia do gás natural. Em termos práticos, a estratégia dirige-se à: (i) reorganização do mercado de gás; (ii) redução do papel dominante da Petrobras e; (iii) incentivo ao equacionamento dos desafios da distribuição de gás. Tais medidas abrem espaços consideráveis para o surgimento de novos atores na cadeia e consigo uma nova organização setorial com atração de investimentos.

Em conjunto com as Resoluções do CNPE, o Termo de Compromisso de Cessação (TCC) da Petrobras com o CADE apresentou-se como a peça fundamental do quebra-cabeça para a retomada deste processo de abertura. Assim, a Petrobras acordou em vender suas participações no transporte (NTS, TAG e TBG) e distribuição (através da Gaspetro), além de servir como agente responsável pela flexibilidade e balanceamento do sistema, atuando como supridor de última instância até que o próprio mercado possa oferecer tais serviços. Adicionalmente, o encaminhamento quanto ao acesso negociado à infraestruturas essenciais (escoamento, UPGN e regaseificação) e o compromisso da Petrobras de não contratar novos volumes de gás, irão impulsionar ofertantes a buscar novos demandantes.

Quanto aos desafios da distribuição, caberá aos Estados acompanharem voluntariamente as diretrizes apresentadas pelo CNPE. Estas se baseiam em: (i) busca por princípios regulatórios mais robustos e transparentes de suas agências (criando-as se necessário); (ii) harmonização tributária entre Estados para o pleno funcionamento do mercado a nível nacional; (iii) privatização das concessionárias de gás natural (podendo trazer benefícios fiscais e novos investimentos) e, quando for o caso, (iv) reavaliação dos contratos vigentes de concessão, adaptando-os aos novos tempos. O Governo Federal reconheceu a importância de criar competição entre os Estados de forma que cada um estabeleça políticas públicas alinhadas com seus objetivos e vocações, em particular a regulação do Consumidor Livre, dando aos grandes consumidores de gás natural a possibilidade de escolha do seu supridor. Os Estados do Rio de Janeiro e Sergipe, através de suas Agências Reguladoras, saíram na frente no processo de abertura do mercado de gás natural.

Em paralelo, segue a discussão no Congresso da Lei 6407/13, que deverá refletir os princípios do Novo Mercado de Gás, promovendo alterações necessárias ao regramento existente (as mais importantes sendo o regime de outorga dos gasodutos de transporte e a desverticalização do seu controle), trazendo a necessária estabilidade jurídica ao segmento.

A oportunidade de acesso a novos suprimentos pela produção nacional de gás (nas áreas do pré-sal e em bacias onshore) e maior diversidade e competitividade ao gás importado (seja da Bolívia e Argentina, seja por GNL), juntamente com as alterações no transporte (sistema de entrada e saída) e a competição entre os Estados na regulação da distribuição de gás natural, permite vislumbrar um cenário no qual teremos o gás natural competitivo como um driver fundamental do desenvolvimento nacional. Em contrapartida, o que coloca em questão esta oportunidade são as incertezas pelo lado da demanda. Nesse sentido, a geração de eletricidade considerando as características de flexibilidade limitada do gás natural proveniente do pré-sal pode servir de âncora de modo a alavancar a infraestrutura de escoamento e viabilizar a utilização industrial em larga escala.

A construção desse novo mercado tem como origem a constatação das necessidades de desenvolvimento e dos gargalos que o modelo vigente apresenta. Em suma, a modernização e evolução do setor de gás natural colocará o país numa posição privilegiada em termos de oferta (seja em volume, seja em diversidade de supridores) e demanda futura (ampliação do consumo e entrada de novos consumidores), elementos essenciais para que a competição finalmente vigore no mercado de gás natural,

Luiz Carlos Costamilan é Engenheiro mecânico. Atualmente Secretário Executivo do IBP e sócio da LC2 Consultoria, onde faz advisory no setor de Óleo & Gás para clientes no Brasil e no exterior.

Costamilan trabalhou no Grupo BG por 9 anos. Antes disso, trabalhou na Petrobras por de 23 anos e ocupou diversos cargos seniores, incluindo Gerente-Executivo de Novos Negócios, Gerente-Executivo do Desenvolvimento do Gasoduto Bolívia-Brasil, Diretor-Executivo de E&P, Vice-Presidente Executivo da Braspetro e Gerente Geral de Produção de Petróleo. Costamilan participou de Conselhos de Administração de diversas companhias no Brasil e no exterior.

Felipe Botelho Tavares é Especialista em Gás Natural do IBP. Trabalhou em vários centros de pesquisa como o Columbia Center on Sustainable Investment (CCSI), EUA, Grupo de Economia da Energia (GEE/UFRJ) [Brasil] e o Comissariat à l’énergie atomique (CEA) [França]. É coordenador do Grupo de Trabalho em Sustentabilidade do Institute for New Economic Thinking (INET). Sua atuação se concentra em temas como regulação, financiamento de infraestruturas, desenvolvimento sustentável, política e planejamento energético.

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