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 / janeiro 2012

Produção de campos de petróleo marginais por companhias independentes

A idéia da implementação do segmento de pequenos e médios produtores de petróleo e gás no Brasil tomou formas nítidas quando estávamos gerenciando as operações da Petrobrás Internacional em Angola. A observação daqueles campos terrestres abandonados em função da guerra civil que se desenrolava naquele país, por aproximadamente duas décadas, e a extrema dificuldade de sobrevivência das populações daquelas áreas, a pobreza na superfície em contraste com a riqueza contida no subsolo, num regime dito socialista, era algo incompreensível.

A ausência de interesse das grandes companhias petrolíferas presentes no país e engajadas, com sucesso, nas operações marítimas permitiam antecipar que somente com o envolvimento das autoridades governamentais incentivando o aparecimento de pequenos empresários aquela riqueza poderia ser convertida em benefícios para o País. Infelizmente, isso ainda não ocorreu em Angola.

Retornando ao Brasil, numa época em que estavam mais fortes os indícios de que muito cedo o monopólio da Petrobrás poderia ser retirado, tivemos a oportunidade de visitar algumas instalações petrolíferas terrestres numa missão de analisar o desempenho de alguns campos cujos indicadores não estavam em conformidade com os padrões estabelecidos pelos Órgãos de Supervisão da Petrobrás no Rio de Janeiro.
A verificação de que em alguns campos a situação operacional era muito semelhante àquela observada em Angola, a despeito de não termos nenhum dos graves problemas que impediam a atividade naquele país africano, nos conduziu a pesquisar os reais motivos que resultaram naquele cenário.

O resultado dessa análise claramente mostrou que aqueles ativos careciam de atratividade econômica suficiente para concorrer na obtenção dos investimentos necessários haja vista que a Petrobrás havia crescido muito e suas atividades marítimas exigiam cada vez mais recursos milionários. Era basicamente uma questão de prioridade e escala.

A obtenção de uma solução política e econômica aplicável para aquelas acumulações que restavam marginalizadas no portfolio de oportunidades da Petrobras levou mais de três anos de negociações.

Pode-se afirmar que o marco inicial da solução desse problema foi a assinatura, no ano de 2000, do Contrato de Produção com Cláusula de Risco com a empresa baiana PetroRecôncavo para a operação de 12 campos marginais na Bacia do Recôncavo. A PetroRecôncavo, empresa originada desse contrato, se tornou, de fato, a 1ª produtora de petróleo independente da Bahia.

A necessidade do País de dispor de reservas e produção de petróleo compatível com o seu estágio de desenvolvimento levou a Petrobras a intensificar seus esforços na exploração marítima tendo em vista que, desde o início dessa atividade, no final da década de 60, as reservas apropriadas e a produtividade dos poços no mar se mostraram consideravelmente maiores do que as até então descobertas em terra.
Em 25 anos de atividades focalizadas para as áreas marítimas foram apropriadas reservas de petróleo e gás natural cerca de 14 vezes maiores do que as encontradas em mais de 60 anos de prospecção em terra. Saliente-se que os campos terrestres representando cerca de 67% do total de campos produtores do País contêm atualmente menos de 10% das reservas brasileiras. Em termos de produção de petróleo os campos marítimos contribuem com cerca de 87% da produção nacional através de 9% dos poços produtores do País.

É interessante ressaltar que até o início da década de 80, a atividade petrolífera no Brasil estava concentrada nas operações de exploração e produção terrestres conduzidas em regiões carentes localizadas na Bahia, Sergipe, Alagoas, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Ceará.

Todavia as limitações estruturais e financeiras da Petrobras não permitiram a aplicação de esforço de mesma intensidade do exercido na operação marítima para a prospecção e desenvolvimento das nossas bacias terrestres, embora estas, em área, correspondam a 75% das bacias potencialmente produtoras do Brasil.

Assumindo, em 2002, a Diretoria de Exploração e Produção da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, ANP, e no cumprimento de nossas novas atribuições de regulamentação e fomento da indústria, e em prol do interesse público, intensificamos o processo de incentivo à implantação, no País, do segmento de produtores de petróleo e gás de médio e pequeno porte, comumente denominado de produtores independentes.

Essas novas empresas teriam seu principal foco de atuação em bacias terrestres, que já não constituíam o objetivo principal da Petrobras e das demais grandes companhias integradas de petróleo, mas que ainda poderiam significar geração de riqueza e incorporação ao mercado de trabalho de boa parte das populações locais.

Dessa iniciativa fazem parte a busca da ANP por recursos para aquisição de novos dados de geologia e geofísica em imensas bacias terrestres praticamente inexploradas e a redução da área dos blocos oferecidos nas suas licitações para exploração em antigas áreas produtoras já intensamente trabalhadas, denominadas bacias maduras, o que facilita sobretudo a atuação das pequenas e médias empresas.

Complementarmente a essas iniciativas estabeleceu-se um limite para a área total que poderia ser adquirida por uma mesma empresa nessas bacias, visando a pulverização das oportunidades e, conseqüentemente, o aumento do número de companhias em operação naquelas regiões.

Estudo detalhado realizado pela ANP, em dezembro de 2005, tendo em vista a sua 2ª Licitação de Campos Marginais constatou que dos 217 campos da Petrobras, situados em bacias terrestres, 157 deles se encontravam na categoria conhecida como campos marginais, apresentando reservas provadas inferiores a 530 mil barris de petróleo equivalente por campo. Esses 157 campos, embora incorporando cerca de 3500 poços perfurados, representavam cerca de 0,6% das reservas provadas do país.

É fato que a revitalização de tais campos não terá nenhum impacto significativo no desempenho econômico da Petrobras, concessionária de todos eles, porém representaria um extraordinário movimento no sentido de desenvolvimento regional, pela geração de empregos, difusão de conhecimento, arrecadação de tributos, implantação de infra-estrutura para serviços, fomento à fabricação de equipamentos brasileiros, etc.

Levantamento recente da situação desses campos marginais da Petrobras ao longo dos últimos 3 anos permitiu identificar vários campos que poderiam ser devolvidos imediatamente para a ANP para a consolidação do projeto de criação do produtor de petróleo independente no Brasil.

O pequeno produtor de petróleo independente trabalha em cima de projetos de baixo risco, porém de baixo prêmio em termos de retorno financeiro. Por conseguinte necessita da existência de novas oportunidades de negócio.

No Canadá, para manter a atividade dessas empresas, o Departamento de Energia da província de Alberta, região onde se encontra a maior parte das reservas de petróleo e gás do país, promove 24 licitações por ano de áreas para exploração e produção e a indústria pode nomear as áreas de seu interesse. A pequena área dos blocos oferecidos propicia a atuação de pequenas companhias que não podem suportar a aquisição de blocos de grande extensão.

Como resultado dessa política, em Alberta atualmente existem 600 pequenos e médios produtores de petróleo e quase 2.000 empresas de prestação de serviços.
É possível promover, em áreas carentes do Brasil, um desenvolvimento comparado ao obtido na província de Alberta, quando as grandes companhias integradas de petróleo cederam espaço para a implantação de cerca de 2300 pequenas empresas atuando no setor de petróleo e gás.

A meta a alcançar é a consolidação do segmento da pequena e média empresa petrolífera brasileira, eliminando-se as barreiras impeditivas à sua implantação. A Licitação de campos marginais, em operação ou desativados, é um instrumento para se alcançar esse objetivo.

A pequena ou média empresa que se interessa por campos desse porte em geral não tem recursos para arcar com os elevados riscos de investimentos exploratórios que podem não resultar em receita. Como exemplos mais conhecidos citam-se as aquisições de dados geológicos e geofísicos de custos elevados e a subseqüente perfuração de poços exploratórios que, na maioria das vezes, resultam em poços secos.

Em longo prazo, espera-se romper a inércia que impede o desenvolvimento e aplicação de recursos em áreas mais carentes do país e atingir uma situação de desenvolvimento auto-sustentado a partir de investimentos realizados no rentável setor de produção de petróleo e gás natural.

Vale lembrar que, como pólo de investimento, o setor petróleo pode fazer com que os recursos nele empregados signifiquem também o aumento da atividade econômica em estabelecimentos comerciais nos municípios, aumentando, portanto, significativamente o número de pessoas beneficiadas por esta atuação.

Newton Monteiro é engenheiro mecânico pela Escola Nacional de Engenharia-RJ, mestre em matemática aplicada (PUC-RJ) e mestre em engenharia de petróleo (Stanford University, USA). É ex-diretor de E&P da ANP, e é ex-gerente geral da Petrobras Internacional em Angola. Atualmente é coordenador técnico e professor do curso de Gestão nos Negócios de Exploração e Produção de Petróleo e Gás – Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás.

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