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 / janeiro 2012

Desafio para exportação de minério

Uma agradável visita ao embaixador da China no Brasil, Chen Duquing, levou-nos a rememorar aquelas decisivas negociações que nos conduziram à grande abertura do mercado chinês para o minério brasileiro da Vale do Rio Doce, no final dos anos 70.
Naquela época, tivemos um difícil período de tentativas para entrar no mercado Chinês, já em franca importação do minério australiano, em condição mais favorável para eles, logisticamente. As principais vantagens dos australianos eram: a precariedade (draft) dos portos chineses, além da distância geográfica muito menor do que a nossa. Mesmo assim, a primeira venda experimental foi feita em 1973, em condições muito adversas, pois os navios utilizados eram muito pequenos (3 carregamentos de minério lump de 2"- 8").

A história era muito parecida com a japonesa do início dos anos 60. A costa chinesa do Oceano Pacífico é pouco profunda e apresenta áreas rochosas de dragagens difíceis, o que tornava o uso de grandes graneleiros praticamente inviável naquelas condições, e os fretes, muito elevados.

Nesse período, os chineses já conheciam, vagamente, o Konzept Brasil-Japão dos anos 60, e se aproximavam cada vez mais dos australianos, que Ihes ofereciam participações vantajosas em troca de contratos em longo prazo. A possibilidade do Brasil como exportador permanecia inviável, sob a ótica chinesa. Quase impossível.
Não desistimos, e insistimos em fornecer os detalhes técnicos operacionais do Konzept Tubarão-Japão para eles. Não se tratava apenas da escala dos navios, mas também da versatilidade do seu uso, com o retorno de petróleo do Golfo Pérsico, operação que funcionou durante vários anos com a Petrobras. (A China, também, na época, já era exportadora de petróleo pesado).

Onde entram o Japão e as Filipinas

Após conversas com as usinas japonesas, propusemos o uso de um porto nas Filipinas, uma vez que a mesma representava o pior gargalo da equação. Pedimos à Kawasaki Steel para usar um grande porto que servia a uma usina de sinterização daquela empresa nas Filipinas, e que utilizava minério fino da CVRD, seguindo o modelo Brasil-Japão. Esse porto de romântico nome, Cagayan de Oro, já recebia grandes graneleiros brasileiros.

Sob uma taxa razoável, a Kawasaki aceitou a nossa proposta de utilizar o porto para estocar o minério que se destinaria à China, sendo recarregados em navios menores (30mil DWT) destinados a Dailan (Dairan dos japoneses) para a usina de Ansham. Foi então que fizemos a proposta à China, que aceitou o desafio.

Já como Presidente da Vale (1979), estive nas Filipinas ao lado do ministro de minas e energia do Brasil Shigeaki Ueki, cujo apoio foi decisivo junto ao presidente Ferdinando Marcos, das Filipinas, graças à sua posição de importador de petróleo pesado da China.

O problema com o governo das Filipinas foi satisfatoriamente resolvido. Além disso, a Petrobras continuou a importar petróleo pesado chinês, utilizando oi/-ore carries de 250 mil DWT (tipo de navio versátil) que transportava minério de ferro e retornava com óleo do Golfo de 1961, dentro do contrato CVRD - Usinas Japonesas. Assim foram feitos os primeiros embarques para a China, dentro deste Konzept.

Neste meio tempo, os chineses desenvolveram o porto de Beilung (na área de Shanghai, perto de Nimbo), onde começaram a aportar esses navios, e, em seguida, retransportar o minério para a BaoSteel em Shanghai, em navios pequenos.
Neste momento, pôde ser notada a influência do Konzept Brasil-Japão no desenvolvimento da infra-estrutura portuária e suas conseqüências na China. A consolidação da BaoSteel em Shanghai verificou-se com a construção do porto de Magishan (ilha próxima a Shanghai) para navios de 200 mil DTW e com possibilidades de expansão e tornou-se assim a grande siderúrgica da China.

A abertura do mercado chinês

O Porto de Beilung (transbordo) recebia navios da classe Cape Size. Entretanto, foi somente em 1985, com a expansão da Baosteel, que os grandes navios começaram a operar diretamente com Shanghai e, assim, terminou a triangulação com Mindanao (Cagayan de Oro). O grande boom do aço chinês nos últimos anos, e o novo Porto de Majishan, consolidaram a nossa posição na China, hoje o maior complexo siderúrgico do mundo, com 300 milhões de toneladas em 2006.

As iniciativas pró-ativas do nosso lado e a saudável colaboração entre a Vale, Petrobras e Itamaraty, representado pelo embaixador Paulo de Tarso Flexa de Lima, permitiram-nos competir com os australianos, que neste ínterim, aumentaram a profundidade de seus portos (fundo de coral), tornando-se ainda mais agressivos.
Assim, a Vale de hoje, em uma iniciativa ousada e estratégica junto aos chineses, já pensa em aumentar o tamanho dos navios acima de 300 mil DWT para estabelecer uma espécie de “shuttle service”, à semelhança de que o Bergstahl realiza (380 mil DWT) entre o Porto de Madeira Rotterdam. Mas, para isso, seriam necessárias obras adicionais em Majishan.

Criou-se assim um polígono de pernas de navegação com múltiplos benefícios, que mostra que a competição saudável pode ser instrumento de estímulo para aceitação de desafios, e assim, transformar um obstáculo em vantagem, como dizem os chineses. É isso que representa a transformação de uma distância física em distância econômica. Semelhante ao caso japonês, a exportação de um produto de muito baixo valor (na época), à maior distância comercial do mundo, passa a ser economicamente viável. Para a China, a sua logística marítima passou a ser aplicável em todos os produtos de maior valor como granéis e containers. Para outros países do mundo, a redução de acordos proporcionada pela nova logística marítima é utilizada até hoje em portos como Rotterdam, na Holanda; Foz Sur Mer, na França; Bakar, na Croácia; Hamburgo, na Alemanha; Constantza, na Romênia e Toronto, no Canadá.

Eliezer Batista ocupou a presidência da Vale por duas vezes, construiu o Porto de Tubarão e foi o responsável pela implantação do projeto Carajás. Foi ministro de minas e energia no governo de João Goulart e secretário de assuntos estratégicos de Fernando Collor.

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