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 / janeiro 2012

Por uma visão de longo prazo

As recentes quedas dos preços do açúcar e do álcool têm levado algumas pessoas a questionar a sensatez de investir em usinas. Afinal, quem investe quer ter retorno financeiro e, de preferência, com pouco risco. No entanto, risco é uma característica inerente a qualquer atividade numa economia de livre mercado, especialmente se a mesma for intimamente ligada à agricultura, como é o caso da produção de açúcar e etanol de cana. O risco existe, sim, porque grande parte da produção depende do clima, que não tem se mostrado dos mais confiáveis nestes tempos de aquecimento global.

Nos últimos dez anos, o setor sucroalcooleiro aprendeu a autogestão, diante de um processo de desregulamentação que o ensinou a ser dono do próprio nariz, depois de décadas sob as asas do governo. Esse aprendizado, duro no começo, fez com que o setor se acostumasse às oscilações comuns das commodities agrícolas.

O setor também teve de lidar com um cenário desanimador de sucateamento da frota de carros movidos a álcool hidratado e preços baixos. Para sobreviver, a indústria sucroalcooleira aprendeu a ser eficiente e, com a eficiência, veio a competitividade. A virada veio no novo milênio, com a introdução de veículos flex-fuel no mercado automobilístico, em 2003. A bem da verdade, a derrocada dos preços do álcool logo depois da desregulamentação do final dos anos 1990 estimulou a prática do “rabo-de-galo” – a mistura de álcool hidratado à gasolina para baratear o custo, independentemente de o motor do carro estar ou não preparado para isso, tornando-se a primeira versão do flex.

Ao mesmo tempo, os preços do petróleo, que vinham de uma fase de relativa estabilidade, passaram a ter altas significativas, puxados pelo crescimento da demanda, especialmente de parte dos países emergentes, como Índia e China, superiores ao aumento da oferta. O petróleo, cujo período de escassez dos anos 1970 foi esquecido por muitos, voltou a ser motivo de preocupação de governos não só pela questão da dependência energética, uma vez que suas reservas encontram-se em regiões de conflito, como Oriente Médio, como também pela evidência científica de que a sua queima, bem como a dos demais combustíveis fósseis, como o gás natural e o carvão, é a principal causa do efeito estufa e, conseqüentemente, das mudanças climáticas.

O etanol combustível, visto até então como uma peculiaridade brasileira, começou a ser encarado como uma alternativa real à substituição parcial da gasolina em muitos países. Os Estados Unidos, com problemas de contaminação do lençol freático com o MTBE – oxigenante derivado do petróleo –, tiveram aumento significativo da produção de álcool de milho, com direito a propostas de mais recursos para a pesquisa de álcool de celulose e planos de substituir 20% da gasolina consumida por etanol nos próximos dez anos. A União Européia vem se mostrando mais ambiciosa no uso de biocombustíveis, especialmente no caso do biodiesel feito de canola, ao passo que países emergentes, como Índia, China, Tailândia, entre outros, avançam em seus programas de mistura de etanol na gasolina.

Tanta visibilidade veio a perturbar os representantes da ordem estabelecida, mesmo com o etanol respondendo por não muito mais de 2% do consumo mundial de combustíveis líquidos (Brasil e Estados Unidos, principalmente).  A indústria do petróleo e governos que dela se beneficiam tiraram do fundo do baú a teoria de que a agroenergia disputa a área da produção de alimentos – o que é uma grande balela, especialmente no caso do Brasil, com milhões e milhões de hectares de terras para expandir sua agricultura sem precisar derrubar uma árvore que seja.

Com as exportações de etanol representando cerca de 15% da produção brasileira, é lógico que o grande foco de atenção do empresariado é o mercado interno. Os veículos flex já respondem por mais de 80% dos carros novos vendidos, sendo movidos, preferencialmente, a álcool hidratado. As previsões são de investimentos da ordem de US$ 17 bilhões até a safra 2012/13, com foco na produção de álcool.

A substituição de parte da gasolina por etanol combustível é uma decisão estratégica – não dá para ser adiada por muito tempo, até porque a possibilidade de o preço do barril de petróleo voltar a US$ 20 é muito remota, num mundo em que a descoberta de reservas novas escasseou nos anos 1990. Para completar, nem a própria indústria petrolífera mostra-se disposta a investir muito em refinarias, que não dão conta de atender a demanda crescente.

No caso do etanol de cana, os investimentos feitos no Brasil trazem uma característica das mais positivas: a sustentabilidade. Mas os preços oscilam? Oscilam – até poderiam variar menos com o uso mais intensivo de instrumentos de mercado, como o hedge, por exemplo. No entanto, quem investe não visa o lucro imediato, até porque a cana é uma cultura que, depois de sua implantação, tem de 5 a 7 cortes. Investir em álcool é uma aposta no futuro? É claro! E é por isso é que a Construtora Norberto Odebrecht comprou a usina Alcídia, em Teodoro Sampaio, num empreendimento do qual sou parceiro. Afinal, se o etanol é o combustível do século XXI, para que perder o bonde da história?

Eduardo Pereira de Carvalho  foi diretor presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar - ÚNICA, foi vice presidente da CVRD, foi secretário geral do Ministério da Fazenda, foi presidente do Banespa e Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo. Atualmente é  executivo da Odebrecht.

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