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 / janeiro 2012

Uma estratégia global para o etanol brasileiro

Se nosso país é sempre lembrado pelo futebol alegre, pelo carnaval e por suas belas praias tropicais, agora também é pelo fantástico programa de etanol. O número de consultas de diferentes tipos de empresas, visitas de delegações de diversos países e convites para apresentações em eventos internacionais comprovam o grande interesse pelo sucesso do etanol brasileiro.

O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar, fonte de energia pura e renovável, que adoça o mundo e movimenta o país ao mesmo tempo em que contribui para a proteção do meio ambiente. A cana  foi a responsável direta pelo início da colonização sistemática das terras tupiniquins, além de fornecer os substratos básicos para a formação da sociedade brasileira. O latifúndio, a utilização da mão-de-obra escrava ou semi-servil, a cachaça como bebida popular, a miscigenação, o sincretismo religioso e a economia agroexportadora deixaram marcas definitivas em nossa história.

É isso mesmo, a história do Brasil se confunde com a da cana-de-açúcar e, agora, muitas pessoas passaram a apostar neste especial momento da atividade como uma excelente oportunidade para a economia nacional. Pouco depois do Descobrimento, experimentamos alguns períodos de glória onde alguns produtos eram demandados pelo mercado internacional. Estes ciclos incentivaram a presença de estrangeiros, resultando na criação de empregos e proporcionando investimentos. Mas, na verdade, muito pouco dessa riqueza gerada ficou aqui, nas mãos de brasileiros. Os Ciclos do Pau-brasil, do Ouro, do Açúcar, da Borracha e do Café são alguns destes exemplos. E agora com o etanol carburante? Qual é a diferença entre esse novo ciclo e os anteriores? Com certeza é a atuação em todos os segmentos da indústria com total domínio tecnológico.

Em seus 32 anos de existência, o PROÁLCOOL destacou-se não só por seus aspectos econômicos, ao contribuir com bilhões de dólares, mas também pela geração de empregos nos diversos segmentos da indústria; melhoria das condições do meio ambiente; novas variedades de cana; desenvolvimento e aperfeiçoamento do veículo a álcool, processos industriais eficientes, técnicas para transformar resíduos em sub-produtos de alto valor agregado, utilização do bagaço da cana para a geração de energia elétrica, competência em toda a cadeia logística (dutos, terminais, navios e centros coletores) e milhares de postos de abastecimento em um país de dimensões continentais.

Foi com essa motivação que o Brasil se transformou na referência mundial no uso de renováveis. Atualmente, sem contar os 3,5 milhões de veículos que consomem somente álcool hidratado, cada litro de gasolina consumido pelos brasileiros possui 25% de álcool anidro. Esta foi a solução encontrada para resolver o problema da octanagem da gasolina, substituindo o chumbo tetraetila, na mistura gasolina-álcool, que passou a ser aceita e usada em praticamente todo o mundo. É mais um exemplo da inovação tecnológica brasileira no setor. Todo este sucesso teve a participação do Centro de Tecnologia Canavieira (Ex-Copersucar) e da Universidade ESALQ, vinculada à USP, todas duas localizadas em Piracicaba (SP).

Os recentes aumentos e flutuações no preço do petróleo, a demanda ambiental por combustíveis mais limpos, a busca por alternativas energéticas para veículos nos países dependentes do petróleo, a tecnologia flex-fuel, a similaridade do etanol à gasolina e a experiência de sucesso no Brasil de um grande programa de álcool combustível contribuem para um cenário plenamente favorável para que o etanol venha a ser o grande parceiro da gasolina nos próximos 30 anos.

Existem ações que são fundamentais para que o nosso país não perca mais esta oportunidade e garanta uma verdadeira liderança neste fantástico mercado do etanol combustível, são elas: 1) garantia de aumento da produção nacional de etanol carburante através de programas de financiamento especial para novas unidades energéticas somadas às linhas de crédito para a atividade agrícola de cana-de-açúcar, com agilidade nos processos de licenciamento ambiental junto às entidades governamentais; 2) investimento em logística para toda a cadeia produtiva, com a participação dos diversos segmentos do setor, cobrindo desde a produção até o mercado internacional com a utilização de dutos exclusivos e dedicados para o etanol, hidrovias, ferrovias, terminais no Brasil e exterior, e navios para exportação, garantindo assim preços mais competitivos em mercados internacionais; 3) criação de estoques, de preferência no exterior, junto aos potenciais consumidores, estabelecerá de fato o suprimento do mercado internacional, reforçando as garantias aos contratos de exportação e minimizando o grande vínculo existente da produção de etanol brasileiro para atender exclusivamente ao mercado interno; 4) criação de um grande programa de desenvolvimento tecnológico de etanol, similar ao existente no setor de petróleo (CTPETRO), conclamando os centros de desenvolvimento tecnológico no país, as universidades brasileiras, associações e entidades do setor; 5) estabelecer um agressivo programa de promoção comercial do nosso etanol para o mercado global, com o desenvolvimento de ações para transformar o etanol carburante em uma “commodity” internacional, com participação em feiras de energia, petróleo & gás, bem como organizar missões ao exterior para apresentar a outros potencias países produtores o sucesso do programa do etanol brasileiro, visitando às principais montadoras mundiais de automóveis e buscando articulação com entidades ambientalistas internacionais. O sucesso de todas estas ações propostas poderá ser alcançado com a definição de uma coordenação nacional, com a participação dos Ministérios, Governos Estaduais, Agências Reguladoras, Entidades Financeiras, Bancos de Financiamento, Produtores, Empresas de Logística e Associações.

Se as forças condicionantes se mantiverem inalteradas, não faltarão recursos para o aumento da produção de etanol. O governo e o setor produtivo nacional e internacional atuarão para o aumento da área plantada e implantação de novas unidades de processamento, como se pode comprovar com as iniciativas de Estados do sudeste e centro-sul do país. A comunidade sucroalcooleira amadureceu para a busca de soluções independentes, não vinculadas a programas e subsídios federais.

A saída do governo para deixar o controle e, por conseqüência, eliminar intervenções no setor foi muito importante para dar agilidade, agressividade empresarial e liberdade de atuação. Uma sistemática de regulação de mercado por meio de política nacional de estoques, gerenciada pela própria comunidade nacional e executada por empresas especialistas em terminais de estocagem de combustíveis, poderá ser uma das alternativas de modelo, onde cada ator tem o seu papel específico: o governo faz a regulamentação; os produtores fornecem o álcool; a comunidade do álcool programa o estoque, as empresas especializadas executam o transporte e estocagem, via prestação de serviço. Quanto à capacidade nominal de armazenamento também existem dúvidas, embora a tendência seja a autoregulamentação do setor. O ônus financeiro do produto para criação desse estoque deverá ser do setor produtivo.

Para o início das exportações de bateladas de álcool, já existem centros coletores, terminais, dutos e navios. Contudo, buscando a redução do custo final de logística para garantir e consolidar a competitividade internacional, o Brasil estuda investimentos para a construção de tanques e de novos dutos, e, até mesmo, de novos navios especiais para a exportação do etanol carburante.A solução de logística passa pela utilização de diferentes modais, como o rodoviário, ferroviário, aquaviário e dutoviário. O projeto do Corredor de Exportação de Etanol, como vem sendo chamado, está sendo discutido por representantes do Governo Federal, Governos Estaduais, do Sistema Petrobras e de empresários e associações do setor. Já existem projetos distintos para a Região Nordeste, Centro-Sul e Sul.

A produção atual é de aproximadamente 18 bilhões de litros, com uma exportação de 3,5 bilhões. A infra-estrutura atual já possui capacidade para exportar mais 5,5 bilhões de litros. Hoje, 90% da produção de álcool está concentrada na Região Centro-Sul, com 62% em São Paulo. Até o fim da década, se estima que a produção brasileira anual deva alcançar 30 bilhões de litros, com um potencial de exportação de mais de oito bilhões de litros por ano.

O mercado internacional deverá ser desenvolvido a partir da parceria Brasil-Estados Unidos e construído com a participação de outros países. A credibilidade do Brasil será à base deste importante trabalho para consolidar o país como o principal agente de mais uma commodity internacional. O desenvolvimento do mercado futuro para o etanol também é um movimento importante. Deveremos ter um papel proativo, indo ao mercado internacional para ofertar de forma agressiva a solução brasileira do uso deste combustível. Não podemos concordar com a idéia que nós brasileiros não nos vendemos, mas que somos comprados. Quem é comprado, já entra em desvantagem na negociação.

Estamos de passagem marcada para o mundo, mala em uma das mãos, amostra de etanol combustível brasileiro na outra e a crença que a hora do Brasil chegou, em uma atividade econômica de interesse global que faz parte da nossa história. Chegou também a hora de receber os dividendos de todo este esforço nacional e as gerações futuras não irão aceitar se as lideranças atuais negligenciarem mais esta oportunidade para nosso país.

Marcelino Guedes Gomes é funcionário da Petrobras há 20 anos. Atualmente  é Diretor de Dutos e Terminais da Petrobras Transportes S.A.- Transpetro.

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