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 / janeiro 2012

Empreendedorismo Sustentável

A sustentabilidade está, cada vez mais, no centro de modelos de negócios bem-sucedidos. Em seu livro “Capitalismo Natural: Criando a Próxima Revolução Industrial” (Editora Cultrix/Amana-Key), o físico, consultor e ambientalista Amory Lovins argumenta que um dos pilares para o sucesso de empresas nessa nova “era da sustentabilidade” é a transição de um modelo econômico baseado em bens físicos e compras para um novo modelo baseado em serviços e fluxos. Essa nova forma de relação entre produtores e consumidores protege melhor os ecossistemas dos quais dependemos, pois alinha interesses e compartilha responsabilidades de forma mais equilibrada ao longo de toda a cadeia produtiva. Trata-se, na verdade, de uma reinterpretação da velha máxima que diz que consumidores não estão interessados em comprar furadeiras. Eles querem furos.

O que isso significa para empreendedores, tanto aqueles independentes, que desejam montar um negócio do zero, quanto aqueles que trabalham dentro de empresas e precisam inovar para encontrar as plataformas para o crescimento futuro de suas organizações? Em síntese, essa nova realidade requer a construção de modelos de negócios diferentes dos tradicionais, que recompensem tanto produtores quanto consumidores, por fazerem mais e melhor, com menos recursos e por mais tempo. Vejamos alguns exemplos do próprio Lovins:

Uma empresa fabricante de elevadores prefere não vender seus excelentes produtos porque sabe que eles necessitam de menos energia e menos manutenção que os da concorrência. A empresa opta por ser a dona dos elevadores, bancando o seu custo operacional, e oferecer ao cliente o que ele realmente deseja por um custo menor: o serviço de mover-se para cima e para baixo.

Um fabricante de condicionadores de ar posiciona-se como provedor de serviços de conforto ambiental. Quanto mais duráveis e eficientes os condicionadores de ar, mais dinheiro a empresa e seus clientes ganharão. Em parcerias com outras empresas, busca adaptar o resto do prédio, deixando seus usuários confortáveis com pouco ou nenhum ar condicionado. Por que uma empresa de condicionadores de ar gostaria de se ver livre dos aparelhos? Bem, se ela não o fizer, seus concorrentes o farão. Pensando no que o cliente deseja, a empresa continuará sendo um negócio bem-sucedido oferecendo conforto ambiental.

Em um projeto de pesquisa, um grande fabricante de equipamentos para telecomunicações e uma universidade britânica desenvolvem um modelo de telefone celular fabricado inteiramente com polímeros biodegradáveis, que se transformam em pó quando enterrados. Uma semente de flor também é inserida no aparelho para que germine quando o usuário, ao trocar seu modelo de celular por outro mais avançado, decida reciclar seu antigo telefone, plantando-o na terra.

Perguntas que podem ajudar na concepção de um modelo de negócios em linha com essa visão de empreendedorismo sustentável:

Que serviços os clientes realmente desejam? Que benefícios eles buscam ao adquirir os produtos? De que maneira e em que ritmo os clientes querem esses serviços? Como esses serviços podem ser prestados de maneira mais eficiente? Com menos tipos e quantidades de materiais? Conexões reversíveis entre partes? Facilidade de desmontagem, modularidade, multifuncionalidade? Possibilidade de realizar upgrades ao longo do tempo? Produtos mais fáceis de usar, mais versáteis, mais fáceis de manter? Que modelo econômico melhor remunera esses serviços e permite que a empresa e os seus clientes gerem resultados, atuando do mesmo modo: aumentando a produtividade dos recursos e compartilhando os ganhos? Aluguel? Leasing? Por período fixo? Renovável? Que outros serviços podem ser agregados como fontes adicionais de receitas? Suporte técnico? Manutenção? Upgrades? Consultoria? Conhecimento?

Diversos países, em todo o mundo, têm aprovado legislações e regulamentos desenhados com base no princípio da “Extensão de Responsabilidade do Produtor” (ERP), que prevê a extensão da responsabilidade dos produtores pelos impactos ambientais de seus produtos por todo o ciclo de vida do mesmo, especialmente por sua devolução, reciclagem e disposição final. O intuito da ERP é manter produtos e materiais fora do fluxo de lixo e reduzir o seu impacto ambiental. Sua premissa é de que os fabricantes podem desempenhar um papel muito além do ponto de venda ou das convencionais garantias ao desenhar produtos que produzam menos resíduos, usem menos recursos e contenham componentes mais recicláveis e menos tóxicos. Em última instância, eles podem reter o controle sobre os materiais que constituem os seus produtos e assumir a responsabilidade pela sua remanufatura.

Quando um produto é projetado para obsolescência, para ser descartado com a chegada de um novo modelo, a energia e todos os materiais adicionados durante a sua produção - assim como os diversos resíduos gerados no processo - são apenas parcialmente amortizados. A parte não amortizada transforma-se num problema de todos - desta e das futuras gerações - sob a forma de lixões, escassez de matérias-primas e insumos, ameaças à biodiversidade e à continuidade da própria vida.

Quando um produto é concebido e projetado como um fluxo contínuo de serviços, seus materiais são completamente recuperados e/ou reutilizados. Não há, virtualmente, desperdícios, e o uso de energia é diminuído e amortizado ao longo de um período praticamente infinito de uso. Quaisquer substâncias tóxicas no produto podem ser controladas com grande rigor, evitando que elas contaminem ecossistemas. Nesse modelo, o conceito de “produto” pode ser bastante ampliado, com a possível inclusão de prédios e grandes sistemas de infra-estrutura como rodovias, pontes, redes de telecomunicações e outros objetos.

Empresas podem, deliberadamente, esperar até que pressões regulatórias as obriguem a adotar essa forma de pensar e atuar. A essa altura, pode ou não ser tarde demais para realizar as adaptações e mudanças necessárias. Certamente, porém, empreende-dores sensíveis a essa nova realidade e a seus efeitos sobre o mercado terão feito a sua lição de casa e saído à frente, pois percebem todas as razões pelas quais a criação de ciclos sustentáveis de materiais irá melhorar a estabilidade econômica, gerar prosperidade e regenerar o Capital Natural.

Marco Pellegatti é diretor de pesquisa da Amana-Key, empresa especializada em inovações radicais em gestão e que trouxe Amory Lovins ao Brasil diversas vezes nos últimos anos.

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