O Homem e a tecnologia
Em sua longa caminhada para o desenvolvimento, o Homem sempre procurou aperfeiçoar métodos e processos para produzir com eficiência e qualidade produtos que pudessem atrair crescentemente o interesse do consumidor. A criatividade individual predominou naquele início e agora a tecnologia desenvolvida por equipes competentes tem demonstrado que sempre foi e será possível fabricar produtos a custos menores, permanentemente com melhores níveis de adequação, performance e qualidade. É importante observar que isto vem se acelerando desde o momento em que o mais primitivo dos produtos foi concebido até o último produto, máquina ou equipamento que sai da moderna fábrica de hoje. A luta permanente para a obtenção do melhor resultado da produção e para a conquista de destacadas posições no mercado nunca parou, ao contrário, o cenário é de aumento e de superação de tudo o que se viu até aqui.
Os ambientes criados pela tecnologia da informação, pela forma de fazer negócios e pela globalização econômica, geram desafios sérios para as estruturas produtivas correntes. Os avanços da eletrônica, das telecomunicações globais e dos computadores causam um irreversível enfraquecimento das fronteiras políticas entre países, abrindo espaços insuspeitados para o comércio global. Houve uma clara desnacionalização dos consumidores que, na atualidade mais cidadãos do mundo do que nacionais, podem tomar conhecimento, comparar preços e qualidade, ou mesmo adquirir produtos ou serviços veloz e eficazmente em qualquer país.
Tudo isso motivou uma avalanche de transformações que atingem a sociedade moderna, imprimindo uma aceleração às inovações, em escala como jamais se viu no passado. Vivemos hoje um clima de dramáticas mudanças, que ocorrem com velocidades crescentes, cuja característica fundamental se centra no desaparecimento de produtos ou das tecnologias cem por cento nacionais. Ou seja, também a produção se globalizou.
A intensidade da geração do conhecimento cria transições importantes, desafiando governos e organizações, obrigando-as a repensarem seus modelos, projetos de atuação ou modos de fazer negócios. As grandes empresas, as mais ricas e poderosas, que possuem recursos financeiros significativos não têm mais garantido o primeiro lugar, somente por estas condições meramente materiais. Na atualidade, uma organização pequena e flexível pode superar um “leão”, desde que conte com o emprego de novas técnicas de pesquisas e desenvolvimento de processos produtivos e de fabricação capazes e competentes para gerar e absorver conhecimentos, produzindo resultados. Tais elementos podem habilitá-la a oferecer bens e serviços aos clientes com maior rapidez, mais adequados, a preços mais baixos e com alta qualidade de manufatura e de performance.
Nesse comércio, mais internacionalizado, a sociedade produtiva moderna está se adaptando de forma surpreendente, fazendo uso de insumos básicos, matérias-primas, componentes e equipamentos que construirão seus produtos finais, hoje globais, os quais podem e são obtidos em qualquer lugar do Planeta. As conseqüências desse novo fenômeno são claras e mudam a economia mundial de internacional para universal, com poderosos e coercitivos efeitos no desenvolvimento e na competitividade das nações.
A economia globalizada (ou transnacional) é diferente da internacional. Ela não reconhece fronteiras políticas e, portanto, não se subordina à vontade dos Estados Nacionais. Tornou-se dominante, controlando e impondo, em larga medida, regras para as economias domésticas dos mais diferentes países de uma forma como nunca se viu no passado. Faz crescer o poder dos mecanismos internacionais e multilaterais de controle e de consulta, não porque eles se tornaram mais prestigiados ou poderosos, mas sim, como decorrência do extraordinário desenvolvimento e democratização dos sistemas de comunicação que, de forma surpreendente e eficiente, colocam o indivíduo como cidadão do Mundo, globalmente informado.
Há poucos anos, cruzamos um Século e um Milênio. A velocidade das mudanças cresce em escala exponencial e avança em ritmo de disparo. Hoje, diz-se que o avanço tecnológico produz resultados que dobram a cada dez anos, enquanto a tecnologia da informação, a cada ano. O Século XXI reserva-nos perspectivas ainda mais espetaculares, via horizontes já claros da biotecnologia, nanotecnologia e inteligência artificial. A engenharia tem um papel crucial e será o motor dessas transformações. Ela está sendo chamada para projetar, desenvolver e fabricar equipamentos com a utilização das ciências e dos conhecimentos básicos.
Mais do que isso, a engenharia deverá ser a responsável para por tornar o que se conhece, possível. Entretanto, os choques não param por aí. No mundo da criação, embora não se pense muito no comum fenômeno da competição, ela aparece crescente e em escala global. Isto claramente significa que vencer no mercado não mais é um desafio somente dos pensadores, dos criadores, dos cientistas e técnicos, pois clara e inevitavelmente passa pelas regras, regulamentos e legislações das nações e, mais ainda, pelas reações, também universais, do mercado.
Assim, está sob desafio aquilo que entendíamos como economia nacional - fronteiras geográficas separando países por um complexo emaranhado de leis, regulamentos e regras limitando as comunicações e os fluxos de pessoas, produtos e serviços. Políticas de êxito no passado, centralmente exercidas pelo poder político, como protecionismo e reservas de mercado, não mais encontram espaço no cenário para o qual o Mundo caminha a passos largos.
Enfim, o grande responsável pelas mudanças dramáticas que estamos assistindo parece ser simplesmente o cidadão – equipado com a sua melhor qualificação de produtor e de consumidor. Ele, melhor informado, está no núcleo do poder e determina os rumos a seguir por força de suas decisões de compra e as impõe como baliza para a produção. Neste cenário, a posição da empresa deve ser entendida apenas como um mecanismo de resposta às imposições que consegue identificar no mercado. Não caberia, portanto, ao produtor tentar orientar ou fixar paradigmas ou padrões, como acontecia anteriormente. Ao contrário, ele é uma função do que acontece na arena mercadológica aonde a empresa atua.
Neste novo ambiente complexo e sofisticado as conclusões são óbvias. Cresce de importância o indivíduo, o cidadão preparado e treinado, armado com sua qualificação, cultura e atitudes, vencendo graças a sua compreensão do meio em que vive, dele recebendo os insumos básicos para a produção eficiente e competitiva. Fica claro que qualquer pressão internacional pode ser minimizada por ação dos Estados, dos Governos, que compreendendo esta nova dinâmica mundial, possam decidir por regulamentações mais flexíveis e leves do que a pesada burocracia que está presente na massa de todas as nações menos desenvolvidas do planeta.
As indústrias nacionais que não puderem produzir segundo os parâmetros conhecidos e fixados pelos consumidores, sejam por organização interna ou por interferências externas dos seus governos, tenderão a sair do mercado. Não se cogita que as autoridades constituídas, como faziam no passado, devam estabelecer condições privilegiadas para o parque produtivo doméstico (as chamadas reservas de mercado). Hoje, claramente se entende que válvulas escapatórias surgirão e o mercado seguirá, muito provavelmente, na direção das práticas das economias menos formais. Tudo isto conclui indicando que caminham para a extinção dos mercados cativos e protegidos.
O novo consumidor mundial, a não ser que submetido a pressões políticas insuportáveis, não aceitará jamais os parâmetros de controle e de restrição política sob os quais viveu no passado. Hoje, as populações buscam horizontes de crescente liberdade, dos quais não abdicarão jamais. Assim, a nova empresa do presente precisa olhar o futuro tentando usar todas as ferramentas que a tecnologia e a cultura das populações lhes permitam. Não há escolha. Melhores níveis de produção eficiente a cada novo período, qualquer que ele seja, é essencial, pois, numa hipótese contrária, sua eliminação do mercado será inevitável.
Ozires Silva é fundador da Embraer, ex-presidente da Petrobras, ex-ministro da Infra-estrutura e atual membro do Conselho de Ciência e Tecnologia do Governo Federal