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 / julho 2022

Potencial Brasileiro para Mercado em Energia do Hidrogênio

Por Paulo Emilio V. de Miranda
Artigo de Paulo Emilio V. de Miranda sobre Energia do Hidrogênio

Energia do hidrogênio concerne a utilização do hidrogênio e de compostos que o contêm para gerar e suprir energia para todos os usos com elevada eficiência, incríveis benefícios ambientais e sociais, objetivando competitividade econômica. Pela primeira vez, será possível atingir uma rota circular, limpa e benéfica para a produção e o uso de energia. A produção de hidrogênio por eletrólise da água e o seu armazenamento num sistema local é capaz de estabilizar o despacho de energia elétrica, regulando a intermitência da geração de eletricidade através de energias renováveis. Pode-se também produzir hidrogênio com produtos tais como resíduos urbanos, rurais e industriais.

O fato do hidrogênio gasoso ou liquefeito e de compostos contendo hidrogênio, tal como a amônia, poderem ser distribuídos através de setores, países e regiões, usando tubulações, caminhões, trens, ou navios, fez emergir uma nova commodity energética internacional. Países e regiões que hoje possuem pequena disponibilidade para o suprimento de energia poderão ser capazes de satisfazer localmente suas demandas energéticas, devido às variadas possibilidades existentes para a produção de hidrogênio a partir de opções específicas locais, além do conhecimento recente da existência de ocorrências de hidrogênio natural na terra [Science and Engineering of Hydrogen-Based Energy Technologies. Elsevier, 2019].

Desta forma, o acesso à energia será aumentado imediata e significativamente, o que terá um efeito benéfico muito grande no desenvolvimento humano, contribuindo para a diminuição da desigualdade social. Num país como o Brasil, que dispõe de uma variedade tão marcante de opões de produção de energias renováveis e de acesso a biomassas de manejo e de rejeito, o potencial para produção de hidrogênio renovável é muito grande.

Um aspecto muito relevante que surge ao se considerar a utilização da energia do hidrogênio é a possibilidade de se conectarem setores da sociedade atualmente desconectados no que se refere ao uso de energia. Isso ocorre porque o hidrogênio é ao mesmo tempo um combustível, como o são os combustíveis fósseis hoje utilizados, já que existe em estado natural no nosso planeta, tendo a enorme vantagem de não conter carbono, e é também um vetor energético, um carreador de energia, como a eletricidade.

O hidrogênio e a eletricidade podem ser produzidos por uma variedade de formas. Enquanto a eletricidade é baseada no fluxo de elétrons, o hidrogênio é um carreador de energia química, composto de moléculas, o que facilita o seu armazenamento, transporte e uso, de forma segura e estável, como ocorre com os combustíveis hoje utilizados. Assim, o hidrogênio pode ser usado para a produção de energias térmica, elétrica ou mecânica; como fonte estacionária ou móvel de energia, em edifícios, residências ou no setor de transportes; como combustível em máquinas térmicas ou alimentando pilhas a combustível que geram eletricidade; na indústria, como fonte de calor requerida na produção de cimento ou como elemento redutor de óxidos, na redução direta de minério de ferro para a produção de ferro esponja e aço.

Alguns fatores hoje existentes forçam o surgimento mais rápido de um mercado de energia do hidrogênio, tais como, a emergência ambiental que vivemos e que submete o planeta terra a condições que nos colocam em alto risco; o consequente esforço feito para descarbonizar as atividades antropogênicas; a expectativa de que o expressivo aumento populacional mundial nos leve a sermos mais de 9 bilhões de pessoas em 2040, requerendo cerca de 800 EJ de energia para consumo (1 EJ corresponde à energia contida em 170 milhões de barris de petróleo); a desigualdade social hoje existente, que pode ser amenizada através de melhor acesso à energia e  a insegurança energética causada por conflitos geopolíticos marcantes.

Em função disso, governos de diversos países e também muitas grandes empresas estabeleceram metas de emissões nulas de gases de efeito estufa para 2050 (alguns já para 2045), o que levou ao anúncio de uma variedade de projetos para a produção e uso energético do hidrogênio. A Agência Internacional de Energia [World Energy Outlook, 2021] estima que se todos os projetos para uso de eletrolisadores planejados e anunciados no mundo forem exitosos, isso levará a cerca de 90GW de capacidade global instalada. Além disso, que, sendo o aumento do comprometimento com descarbonização progressivamente maior, 80% do produto interno bruto mundial está atualmente localizado em países com a ambição de atingir emissões nulas de gases de efeito estufa em 2050. As demonstrações de tecnologias de energia do hidrogênio e os investimentos feitos na área foram acelerados em resposta ao compromisso de descarbonização assumido por governos e empresas, fazendo com que os investimentos no setor atinjam US$600 bilhões em 2030, considerando-se os projetos publicamente anunciados, os investimentos requeridos para que os governos atinjam suas metas, assim como informações de empresas [Hydrogen Council, 2021].

Nesse panorama, o Brasil se apresenta com grande potencial para a produção e uso do hidrogênio para fins energéticos. Hoje, tal qual em outros lugares do mundo, a quase totalidade do hidrogênio produzido no Brasil, representando cerca de 1% da produção mundial, é feito pela reforma a vapor do gás natural para uso em aplicações industriais não energéticas.

A significativa produção de petróleo no país, com perspectivas crescentes para o gás natural, permite projetar que a produção de hidrogênio de baixa emissão, com sequestro e uso do CO2, representará uma forma de monetizar a nossa própria indústria de combustíveis fósseis. Embora o Brasil tenha relevância na produção de combustíveis de origem fóssil, o grande destaque está por conta do nosso potencial para produção de hidrogênio renovável [CGEE, Hidrogênio Renovável, Março 2022].

Se a opção for produzir hidrogênio usando a eletrólise da água, temos a disponibilidade atual de eletricidade de origem hidrelétrica, solar, eólica e da biomassa, com potencial para também tê-la a partir de energias dos oceanos e geotérmica no futuro. Mas, é bastante relevante o fato de o Brasil não depender somente da eletrólise da água para produzir hidrogênio renovável, já que possui grande disponibilidade de biomassas de rejeito e de manejo, com as quais se pode produzir hidrogênio por processos termoquímicos e biológicos independentes do uso de eletricidade. Pode ainda promover a reforma a vapor do etanol e de subprodutos oriundos da produção do etanol e do biodiesel, possuindo uma enorme disponibilidade de biogás, que pode se submeter à reforma a seco com CO2, e, em complemento, ainda tem ocorrências onde surgirão poços de produção de hidrogênio natural em diversas regiões do país.

Os fatores mencionados despertaram o interesse da indústria nacional para a energia do hidrogênio. A Associação Brasileira do Hidrogênio, (ABH2), é muito recente, tendo sido criada em abril de 2017. Mesmo assim, já acumula importantes realizações, tais como a Conferência Internacional para Energia do Hidrogênio (WHEC2018), o 1º. e o 2º Congressos Brasileiros do Hidrogênio, em novembro de 2019 e em dezembro de 2021, e ainda o evento internacional H2-Brasil, em fevereiro de 2022, ao que se somaram muitas reuniões com órgãos de governo, entidades acadêmicas e empresas, tratando de planejamento e regulação para o setor no país. A ABH2 também se tornou mantenedora da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT, para desenvolver normas e padrões para as novas tecnologias requeridas.

Com 7 empresas associadas há apenas um ano, a ABH2 agora conta com 41 empresas sócias e precisa de apoio continuado para o grande esforço de projetar, instalar e operacionalizar um novo mercado de energia do hidrogênio no Brasil. Para isso, a absorção de novos sócios terá, com certeza, efeito muito agregador.

Paulo Emilio V. de Miranda é Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, onde chefia o Laboratório de Hidrogênio do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, Coppe/UFRJ. Possui Doutorado, Mestrado e Graduação em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela UFRJ e pós-doutoramentos pela Ecole Centrale de Paris e pela Université de Paris-Sud, França. É presidente da Associação Brasileira do Hidrogênio, membro do Corpo de Diretores da Associação Internacional de Energia do Hidrogênio, representante brasileiro na Parceria Internacional para o Hidrogênio e as Pilhas a Combustível na Economia, membro do Comitê Assessor Internacional do Fórum Europeu sobre Pilhas a Combustível, membro do Comitê Científico Internacional da Engie e Editor-Chefe da revista Matéria.

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