Da academia à estratégia financeira: equilíbrio em meio a turbulências
Há poucos dias, ao discorrer para uma platéia de profissionais do ramo sobre a missão do executivo de finanças no momento atual, lembrei-me da canção de Aldir Blanc e João Bosco, O bêbado e a equilibrista. No momento de transição profissional em que passo, de professor universitário a executivo financeiro, vejo a condução da estratégia financeira como um exercício de equilíbrio em meio a turbulências.
Os autores da canção comparam o bêbado, parecido com Carlitos, à esperança brasileira de "marias e clarisses". Elas anseiam que, com o apoio da sombrinha, a esperança equilibrista possa não se machucar em suas travessias pela corda bamba, já que todo artista sabe que o show tem que continuar. A esperança é equilibrista, e o bêbado se equilibra para não cair. Mas ambos estão em equilíbrio. O equilíbrio da esperança tem rumo, tem destino. O bêbado se equilibra para andar, sem rumo, sofrendo. A equilibrista é elegante. O bêbado pode ser alegre, mas é triste. Assim, o equilíbrio da economia busca o rumo dos fundamentos teóricos, enquanto o executivo financeiro opera em uma realidade de trajetórias incertas, como que embriagada.
Da parte da economia, o equilíbrio. Através deste conceito, a ciência econômica busca explicar o comportamento das variáveis do mundo real, tal como a lei mais básica que postula a determinação de preços pela interação entre oferta e demanda. Os fundamentos oferecem explicações para expectativas das variações de preços. Mas somente para produtos homogêneos, em mercados competitivos, e com livre informação. Aqui o mundo se embriaga. Outros exemplos: o PIB cresce com variações de capital e trabalho; investimento determina crescimento de capital e crescimento demográfico define o tamanho da força de trabalho; produto potencial determina a taxa de desemprego compatível com estabilidade de preços. Aqui é o reino da corda bamba. Como esses, há tantos outros exemplos de modelos pelos quais a teoria econômica busca explicar a realidade através do conceito de equilíbrio.
Do outro lado do mundo vive o profissional de finanças, para quem o equilíbrio é apenas um conceito, e não a realidade. Ele opera com a articulação de agentes econômicos que utilizam a assimetria de informação para viabilizar o relacionamento entre fluxos e estoques. Assim, a relação entre poupança e investimento, que envolve uma multiplicidade de agentes, que decidem com base em motivações distintas, e em diferentes momentos no tempo. Assim também os intermediários financeiros, que ajustam os fluxos de recursos. Ou ainda a arbitragem que, através dos ganhos de intermediação, faz crescer o setor financeiro.
O economista analisa dados e tenta interpretá-los, para prever comportamentos futuros e explicar o passado. Os pontos de equilíbrio são mais fáceis de modelar, o que os torna atraentes como opção teórica. O executivo de finanças identifica oportunidades para agir, mobiliza os agentes em desequilíbrio, e com acesso assimétrico à informação. Ele busca viabilizar os ganhos de arbitra-gem, otimizando a intervenção do sistema. Ele age mais do que analisa.
Todas as decisões do executivo de finanças remetem à dicotomia entre risco e retorno. Embora mudem os contornos específicos de cada operação, a decisão final sempre requer a ponderação entre o valor monetário do retorno e a verossimilhança das condições de realização do negócio. Essa dicotomia se reflete em cinco áreas.
a) Na gestão do capital de giro há dois exemplos. Um deles, a concessão de créditos: pagamentos e recebimentos: muitos clientes dependem crucialmente dos nossos produtos, da mesma forma que a empresa depende deles para o escoamento da produção. A decisão de conceder ou não o crédito se dá em torno da avaliação do risco de crédito aos clientes face aos volumes transacionados e à necessidade de manter vivos os canais de escoamento. Outro exemplo vem da administração dos excedentes de caixa: há que se ponderar a necessidade de manter ativos denominados em moeda estrangeira, como cobertura contra possíveis oscilações cambiais, frente à possibilidade de auferir ganhos maiores com ativos denominados em moeda nacional.
b) Na garantia de solvência, através do ajuste dos fluxos de entradas e saídas, ou seja, a decisão entre auferir ganhos maiores com ativos de maturação mais longa, frente à necessidade de manter em caixa montante suficiente para cobrir possíveis contingências em prazo curto. Também evitar descasamentos entre entradas e saídas, que podem levar a empresa à insolvência financeira, ainda que o negócio seja economicamente viável.
c) Na financiabilidade pelo crescimento. Perfil da dívida com o investimento: alavancagem. Os ativos constituídos através de dívida, devem se realizar a tempo e de forma a preservar as metas estratégicas de endividamento. Isto significa ponderar o custo do endividamento em função do prazo, frente à possibilidade de intercorrências que retardem a maturação dos investimentos.
d) Retorno aos acionistas. Utilização dos lucros: significa ponderar a possibilidade de se obter aumento de valor de mercado da empresa com capital próprio, isto é, pelo reinvestimento dos lucros para obtenção de maiores lucros futuros, frente à alternativa de se aumentar valor de mercado da empresa pela remuneração dos acionistas, distribuindo lucros na forma de dividendos e expandindo através de endividamento.
e) Governança corporativa: Transparência: significa ponderar os retornos decorrentes de informar ao máximo os investidores frente ao risco de romper o sigilo necessário à condução dos negócios; Processos decisórios: significa ponderar os custos para implantar rotinas impessoais de decisão frente ao risco do uso da assimetria de informação para comportamentos individuais de cunho oportunista; Adequação regulatória: significa novamente ponderar os custos para implantar e auferir processos de decisão frente ao risco de não aderência às exigências dos agentes reguladores como ANP, SOX, etc. Isto é, empresa funciona dentro de mundo dado (condições de contorno).
O andar do bêbado é aleatório e motivado por opções interiores, algumas vezes, sem sentido externo. O bêbado tem sua lógica, seus objetivos e suas motivações. Algumas vezes ele parece que vai cair, mas se equilibra e encontra seu rumo.
A equilibrista usa a sombrinha para ajudar a caminhar na corda bamba. Tem um rumo único, determinado pela corda. Seu desafio é manter a direção e vencer a gravidade e movimentos que tentam derrubá-la. Ela é elegante e cria apreensões para quem assiste. Seu treino é a sua certeza.
Os dois equilíbrios são necessários: a técnica, o rumo, o objetivo. Mas o equilíbrio seria apenas um desafio individual se não houvesse o sonho, a motivação, o desejo, a vontade de levar o barco para rumos outros. Combinar as duas dimensões do equilíbrio, me parece, é o principal desafio do executivo financeiro.
José Sérgio Gabrielli é diretor financeiro e de relações com investidores da Petrob