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 / fevereiro 2023

O significado do hidrogênio verde da Unigel

Por Adary Oliveira

A indústria química como a conhecemos hoje muito deve aos alquimistas e aos químicos. Os alquimistas eram intrigados pela busca da pedra filosofal, pelo elixir da vida e suas pesquisas tentavam descobrir como transformar os metais em ouro. Os químicos tiveram um papel fundamental no desenvolvimento industrial da Alemanha a partir da química derivada do carvão, a carboquímica, até a Segunda Guerra Mundial. A partir daí, a indústria química norte-americana, desenvolvida por engenheiros químicos, fez surgir uma gama enorme de substâncias derivadas do petróleo e gás natural, produzidas em usinas de grande porte e de processo contínuo, denominadas de indústria petroquímica.

A química do petróleo promoveu um desenvolvimento sem precedentes na indústria em todo o mundo. Os plásticos, os fios sintéticos e artificiais, os elastômeros, os detergentes, os pigmentos e as tintas e vernizes fazem parte do dia a dia do homem contemporâneo. A aplicação de tecnologias cada vez mais avançadas, a obtenção de índices de produtividade cada dia maiores e a grandeza dos complexos industriais integrados carregam consigo a promoção do desenvolvimento com a geração da riqueza das nações modernas.

As preocupações recentes com a redução das emissões de gás carbônico e a contaminação da atmosfera, causadoras do aquecimento global, estão mudando mais uma vez os rumos da indústria química, abandonando o uso do carvão como fonte energética e substituindo o petróleo e o gás natural por outras matérias-primas. Assim, em vez de se usar o metano como fonte para a fabricação do hidrogênio, usa-se a água. A obtenção do hidrogênio é feita por eletrólise e a energia elétrica usada deve ser de fonte limpa, como a eólica, solar ou hídrica.

Assim, o hidrogênio passa a ser produzido em escala industrial, tendo como matéria-prima a água, o vento e o sol, recebendo a denominação de hidrogênio verde. Também está consagrado o título de hidrogênio cinza para aquele obtido a partir do gás natural, e de hidrogênio azul o obtido do gás natural, mas com captura e armazenamento de carbono. O hidrogênio é a substância mais leve que existe na natureza e provavelmente o mais abundante no universo, por ser um dos componentes principais das nebulosas. O hidrogênio cinza é o mais usado industrialmente e a proposta colocada pelo mundo hoje, que está mudando o rumo da indústria química, é o da sua substituição pelo hidrogênio verde.

O primeiro fabrico de hidrogênio verde em escala industrial começou com a partida da unidade da Iberdrola na Espanha, em maio de 2022. Centenas de fábricas estão sendo projetadas e construídas pelo mundo afora, contribuindo assim para a despoluição ambiental. Além dessa motivação, os países da Europa têm mais uma razão para promoverem a mudança, já que usam gás natural como principal insumo na geração de calor e eletricidade, e por ele ser importado em grande volume da Rússia, através de extensos gasodutos. A guerra estabelecida entre os dois maiores países da Europa, Rússia e Ucrânia, está acelerando essa mudança para que os europeus não fiquem dependentes do suprimento do gás russo, estabelecendo-se uma corrida para instalação dessas manufaturas.

 Graças ao pioneirismo de Henri Armand Slezynger, a Unigel está instalando na Bahia, no Polo Industrial de Camaçari, a primeira fábrica de hidrogênio verde do Brasil. No local escolhido para sua instalação não faltarão ar, sol e água, notadamente esta última, extraída do manancial aquífero de excelente qualidade que já atraiu engarrafadoras de água mineral e fábricas de refrigerantes e cervejas. A fábrica deverá entrar em operação ainda em 2023, tem investimento estimado em US$ 120 milhões e terá uma capacidade de 10mil t/ano na primeira fase, chegando a 40mil t/ano em 2025. Será, na época, a maior fábrica de hidrogênio verde do mundo, superando em muito a fábrica espanhola da Iberdrola que opera a uma capacidade de 3mil t/ano.

 A nova fábrica usará tecnologia da Thyssenkrup, empresa que fornecerá os três eletrolisadores de 20 MW cada. Eles estão sendo construídos em Nucera (Itália), serão transportados em 48 contêineres já montados e testados. Os geradores eólicos com capacidade para gerar 240 MW serão fornecidos pela Casa dos Ventos, em parceria com a Unigel. As 10 mil toneladas de hidrogênio verde serão transformadas, na primeira fase, em 60 mil toneladas de amônia verde e as 40 mil toneladas, na segunda fase, serão convertidas em 240 mil toneladas deste gás.

A amônia, já fabricada pela Unigel em Camaçari, é sintetizada pela adição de nitrogênio, extraído do ar atmosférico, também inesgotável como a água, o vento e o sol. A amônia vem sendo considerada a forma mais econômica de armazenar e transportar o hidrogênio verde, mas também pode ser utilizada em outras aplicações, como na fabricação de fertilizantes, e diretamente consumida como combustível automotivo e para navegação.

No site da Unigel, além da amônia já é fabricada a ureia, responsável por parte do abastecimento de fertilizantes nitrogenados indispensável ao agronegócio, que atualmente puxa para a frente, com todo vigor, a economia do nosso País. No mesmo parque industrial a amônia já é usada na fabricação de acrilonitrila, metacrilato de metila e sulfato de amônio. Este último produto terá sua capacidade de produção ampliada quando for concluída a fábrica de ácido sulfúrico, com capacidade para 400 mil t/ano, que está sendo construída pela Unigel também em Camaçari. Se os ventos continuarem soprando, se o sol permanecer brilhando, se a água do manancial de Camaçari prosseguir protegida e se o nitrogênio do nosso ar seguir abundante, com certeza estaremos construindo com essa nova fábrica um excelente instrumento de geração de riqueza, trabalho, renda e fonte profusa para financiar a educação, a saúde, a segurança e a proteção ambiental, entre outros benefícios que não podemos prescindir para vivermos em harmonia e com dignidade.

Entre as facilidades operadas pela Unigel no sítio de Camaçari existe um duto de 30 km para transporte de amônia para o Porto de Aratu-Candeias, onde está instalado um tanque refrigerado (-33°C), com capacidade de 20 mil toneladas do produto. Bombas especiais para carregamento/descarregamento de navios fazem parte das instalações portuárias, podendo movimentar mil t/h de amônia. Atualmente o excedente de amônia produzida já é exportada para outros países e comercializada no mercado doméstico. Tanque semelhante só existe no país, além deste, mais um no Porto de Santos, sendo um aparelhamento de apoio logístico de importância fundamental para movimentação desse insumo industrial.

O hidrogênio verde da Unigel produzido não integrado à fabricação local de outros produtos poderá ser comercializado para uso como combustível para geração de calor e eletricidade e matéria-prima. São dezenas de substâncias, que de um lado usam a amônia como percussora e, do outro lado, o gás de síntese (CO + H2) e o metanol dão início a outra cadeia enorme de produtos químicos, acenando para a possibilidade de montagem de complexos industriais integrados. O metanol, para reforçar a citação, usado na transesterificação de óleos vegetais, etapa do processo de manufatura do biodiesel, é 100% importado. Vale a pena o registro de que o hidrogênio verde, além de ser um nobre combustível automotivo, poderá ter preço de comercialização inferior ao da gasolina e do óleo diesel.

A iniciativa da Unigel ganha espaço nacionalmente, tendo o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criado por proposta do Ministério de Minas e Energia (MME), o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) e sua respectiva governança. Por sua vez, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) criou um grupo de trabalho para debater e definir a estratégia a ser seguida, apresentando propostas e produtos e subsidiar a representação da Agência no Comitê Gestor do PNH2. Tudo aponta no sentido de se considerar tal iniciativa como propulsora do reinício da indústria química nacional.

Adary Oliveira possui graduação em Engenharia Química pela Universidade Federal da Bahia (1966), mestrado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas - SP (1978) e doutorado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional - Universidade de Barcelona (2004). Atualmente é administrador da LTA Consultoria Empresarial Ltda. Exerceu os cargos de diretor-geral do Ibametro; diretor da Insumos Básicos S.A. Financiamento e Participações – Fibase; diretor da BNDES Participações S.A. – BNDESPar; presidente da Nitrocarbono S.A.; diretor superintendente da Companhia Petroquímica Camaçari S.A.

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