Potencial Brasileiro para Mercado em Energia do Hidrogênio
Energia do hidrogênio concerne a utilização do hidrogênio e de compostos que o contêm para gerar e suprir energia para todos os usos com elevada eficiência, incríveis benefícios ambientais e sociais, objetivando competitividade econômica. Pela primeira vez, será possível atingir uma rota circular, limpa e benéfica para a produção e o uso de energia. A produção de hidrogênio por eletrólise da água e o seu armazenamento num sistema local é capaz de estabilizar o despacho de energia elétrica, regulando a intermitência da geração de eletricidade através de energias renováveis. Pode-se também produzir hidrogênio com produtos tais como resíduos urbanos, rurais e industriais.
O fato do hidrogênio gasoso ou liquefeito e de compostos contendo hidrogênio, tal como a amônia, poderem ser distribuídos através de setores, países e regiões, usando tubulações, caminhões, trens, ou navios, fez emergir uma nova commodity energética internacional. Países e regiões que hoje possuem pequena disponibilidade para o suprimento de energia poderão ser capazes de satisfazer localmente suas demandas energéticas, devido às variadas possibilidades existentes para a produção de hidrogênio a partir de opções específicas locais, além do conhecimento recente da existência de ocorrências de hidrogênio natural na terra [Science and Engineering of Hydrogen-Based Energy Technologies. Elsevier, 2019].
Desta forma, o acesso à energia será aumentado imediata e significativamente, o que terá um efeito benéfico muito grande no desenvolvimento humano, contribuindo para a diminuição da desigualdade social. Num país como o Brasil, que dispõe de uma variedade tão marcante de opões de produção de energias renováveis e de acesso a biomassas de manejo e de rejeito, o potencial para produção de hidrogênio renovável é muito grande.
Um aspecto muito relevante que surge ao se considerar a utilização da energia do hidrogênio é a possibilidade de se conectarem setores da sociedade atualmente desconectados no que se refere ao uso de energia. Isso ocorre porque o hidrogênio é ao mesmo tempo um combustível, como o são os combustíveis fósseis hoje utilizados, já que existe em estado natural no nosso planeta, tendo a enorme vantagem de não conter carbono, e é também um vetor energético, um carreador de energia, como a eletricidade.
O hidrogênio e a eletricidade podem ser produzidos por uma variedade de formas. Enquanto a eletricidade é baseada no fluxo de elétrons, o hidrogênio é um carreador de energia química, composto de moléculas, o que facilita o seu armazenamento, transporte e uso, de forma segura e estável, como ocorre com os combustíveis hoje utilizados. Assim, o hidrogênio pode ser usado para a produção de energias térmica, elétrica ou mecânica; como fonte estacionária ou móvel de energia, em edifícios, residências ou no setor de transportes; como combustível em máquinas térmicas ou alimentando pilhas a combustível que geram eletricidade; na indústria, como fonte de calor requerida na produção de cimento ou como elemento redutor de óxidos, na redução direta de minério de ferro para a produção de ferro esponja e aço.
Alguns fatores hoje existentes forçam o surgimento mais rápido de um mercado de energia do hidrogênio, tais como, a emergência ambiental que vivemos e que submete o planeta terra a condições que nos colocam em alto risco; o consequente esforço feito para descarbonizar as atividades antropogênicas; a expectativa de que o expressivo aumento populacional mundial nos leve a sermos mais de 9 bilhões de pessoas em 2040, requerendo cerca de 800 EJ de energia para consumo (1 EJ corresponde à energia contida em 170 milhões de barris de petróleo); a desigualdade social hoje existente, que pode ser amenizada através de melhor acesso à energia e a insegurança energética causada por conflitos geopolíticos marcantes.
Em função disso, governos de diversos países e também muitas grandes empresas estabeleceram metas de emissões nulas de gases de efeito estufa para 2050 (alguns já para 2045), o que levou ao anúncio de uma variedade de projetos para a produção e uso energético do hidrogênio. A Agência Internacional de Energia [World Energy Outlook, 2021] estima que se todos os projetos para uso de eletrolisadores planejados e anunciados no mundo forem exitosos, isso levará a cerca de 90GW de capacidade global instalada. Além disso, que, sendo o aumento do comprometimento com descarbonização progressivamente maior, 80% do produto interno bruto mundial está atualmente localizado em países com a ambição de atingir emissões nulas de gases de efeito estufa em 2050. As demonstrações de tecnologias de energia do hidrogênio e os investimentos feitos na área foram acelerados em resposta ao compromisso de descarbonização assumido por governos e empresas, fazendo com que os investimentos no setor atinjam US$600 bilhões em 2030, considerando-se os projetos publicamente anunciados, os investimentos requeridos para que os governos atinjam suas metas, assim como informações de empresas [Hydrogen Council, 2021].
Nesse panorama, o Brasil se apresenta com grande potencial para a produção e uso do hidrogênio para fins energéticos. Hoje, tal qual em outros lugares do mundo, a quase totalidade do hidrogênio produzido no Brasil, representando cerca de 1% da produção mundial, é feito pela reforma a vapor do gás natural para uso em aplicações industriais não energéticas.
A significativa produção de petróleo no país, com perspectivas crescentes para o gás natural, permite projetar que a produção de hidrogênio de baixa emissão, com sequestro e uso do CO2, representará uma forma de monetizar a nossa própria indústria de combustíveis fósseis. Embora o Brasil tenha relevância na produção de combustíveis de origem fóssil, o grande destaque está por conta do nosso potencial para produção de hidrogênio renovável [CGEE, Hidrogênio Renovável, Março 2022].
Se a opção for produzir hidrogênio usando a eletrólise da água, temos a disponibilidade atual de eletricidade de origem hidrelétrica, solar, eólica e da biomassa, com potencial para também tê-la a partir de energias dos oceanos e geotérmica no futuro. Mas, é bastante relevante o fato de o Brasil não depender somente da eletrólise da água para produzir hidrogênio renovável, já que possui grande disponibilidade de biomassas de rejeito e de manejo, com as quais se pode produzir hidrogênio por processos termoquímicos e biológicos independentes do uso de eletricidade. Pode ainda promover a reforma a vapor do etanol e de subprodutos oriundos da produção do etanol e do biodiesel, possuindo uma enorme disponibilidade de biogás, que pode se submeter à reforma a seco com CO2, e, em complemento, ainda tem ocorrências onde surgirão poços de produção de hidrogênio natural em diversas regiões do país.
Os fatores mencionados despertaram o interesse da indústria nacional para a energia do hidrogênio. A Associação Brasileira do Hidrogênio, (ABH2), é muito recente, tendo sido criada em abril de 2017. Mesmo assim, já acumula importantes realizações, tais como a Conferência Internacional para Energia do Hidrogênio (WHEC2018), o 1º. e o 2º Congressos Brasileiros do Hidrogênio, em novembro de 2019 e em dezembro de 2021, e ainda o evento internacional H2-Brasil, em fevereiro de 2022, ao que se somaram muitas reuniões com órgãos de governo, entidades acadêmicas e empresas, tratando de planejamento e regulação para o setor no país. A ABH2 também se tornou mantenedora da Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT, para desenvolver normas e padrões para as novas tecnologias requeridas.
Com 7 empresas associadas há apenas um ano, a ABH2 agora conta com 41 empresas sócias e precisa de apoio continuado para o grande esforço de projetar, instalar e operacionalizar um novo mercado de energia do hidrogênio no Brasil. Para isso, a absorção de novos sócios terá, com certeza, efeito muito agregador.
Paulo Emilio V. de Miranda é Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, onde chefia o Laboratório de Hidrogênio do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia, Coppe/UFRJ. Possui Doutorado, Mestrado e Graduação em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela UFRJ e pós-doutoramentos pela Ecole Centrale de Paris e pela Université de Paris-Sud, França. É presidente da Associação Brasileira do Hidrogênio, membro do Corpo de Diretores da Associação Internacional de Energia do Hidrogênio, representante brasileiro na Parceria Internacional para o Hidrogênio e as Pilhas a Combustível na Economia, membro do Comitê Assessor Internacional do Fórum Europeu sobre Pilhas a Combustível, membro do Comitê Científico Internacional da Engie e Editor-Chefe da revista Matéria.